Por Rafael Simões

Diante de uma cultura antropocêntrica, que pensa ser Deus um servo do ser humano, que faz tudo o que apraz a humanidade, ler o primeiro versículo de Mateus 4 pode parecer estranho. Ele afirma que Jesus foi (1) conduzido pelo Espírito (2) ao deserto (3) para ser tentado (4) pelo Diabo.

O evangelho pregado hoje enfatiza o lado triunfante, que é também real, esquecendo que há muita luta e dificuldade na caminhada deste lado da eternidade. Essas provações são produzidas pelo próprio Deus, como no caso de Jesus, cuja condução ao deserto se deu pelo Espírito Santo. Deus age assim conosco, conduzindo-nos às lutas para que nossa fé seja fortalecida.

O Espírito conduziu Jesus ao deserto, um lugar de testes em toda a Palavra, exatamente onde Israel foi provado no Antigo Testamento. O início do evangelho de Mateus, em muitos aspectos, lembra as divisões de Gênesis. Por Jesus ser o israelita ideal, ele recapitulou a história de Israel nacional em sua própria história. Há uma relação evidente em Mateus dos momentos iniciais do ministério de Jesus com a trajetória do povo de Israel, principal destinatário do primeiro evangelho. Voltando do Egito, ambos passam pelo batismo das águas e pela tentação no deserto, motivo pelo qual Jesus pode ser considerado, nessa passagem, como o novo e maior Moisés, chamado pelo próprio Deus de filho. Essa expressão enfatiza uma relação mais profunda entre Deus e Jesus do que entre Deus e Moisés.

O propósito pelo qual Jesus foi conduzido ao deserto é muito claro: ser tentado pelo Diabo, o acusador. Passar por uma tentação já é, em si mesmo, extremamente difícil para qualquer cristão. Jesus, porém, não só foi tentado, mas o foi pelo próprio Diabo.

A grande pergunta que surge, então, é: por qual motivo isso aconteceu? Qual o propósito pelo qual Deus não só permitiu, mas conduziu, tal acontecimento na vida de Jesus Cristo? A inserção dessa passagem por Mateus está estritamente relacionada com seu propósito teológico. Se o propósito do evangelho é relacionar o cristianismo às promessas veterotestamentárias, denunciando os judeus por recusarem Jesus e alertando os cristãos para não cometerem o mesmo erro, Cristo seria o exemplo par excellence na luta contra a tentação, sendo que tal evento mostraria que ele era digno das promessas do Antigo Testamento.

O Espírito age conosco como fez com Jesus. Antes do triunfo e da vitória final que é certa para todo cristão, há momentos, diversos por sinal, de tentações e labutas. Não pense que Deus não está presente nesses momentos. Na verdade, não só está próximo, como articula esses acontecimentos em nossa vida. Da próxima vez que passar por uma dificuldade, lembre-se que Deus está agindo, cumprindo um propósito divino e superior em sua vida, tal com fez com Jesus Cristo.

Em tempo, lembremo-nos do que Paulo escreveu em Filipenses 3.10: “Quero conhecer a Cristo, ao poder da sua ressurreição e à participação em seus sofrimentos, tornando-me como ele em sua morte”; e também o que Pedro registrou em sua primeira carta, em 4.13: “Mas alegrem-se à medida que participam dos sofrimentos de Cristo, para que também, quando a sua glória for revelada, vocês exultem com grande alegria”